Em um mundo saturado de recomendações de compra e estilos de vida perfeitos promovidos nas redes sociais, surge uma corrente contracultural: os desinfluenciadores.
Esses “jovens renegados” questionam a autenticidade dos influenciadores tradicionais e promovem um consumo mais consciente, desafiando a cultura do excesso e da superficialidade.
A ascensão da influência
Por: Gabriel E. Levy B.
O movimento de-influencer surgiu como uma resposta direta ao consumismo exacerbado fomentado pelos influenciadores digitais, que transformaram as redes sociais em vitrines publicitárias disfarçadas de experiências pessoais.
Ao contrário da constante promoção de produtos e estilos de vida aspiracionais, os deinfluencers procuram desmistificar a necessidade de possuir mais, questionando a pressão social que leva as pessoas a consumir sem reflexão.
Em plataformas como o TikTok, a hashtag #deinfluencing acumulou mais de um bilhão de visualizações, sugerindo uma mudança significativa na mentalidade coletiva.
Em vez de ceder ao entusiasmo criado pelo marketing digital, um número crescente de usuários está assumindo uma postura crítica em relação aos produtos que inundam suas telas.
Este fenómeno reflete uma evolução dos hábitos de consumo das novas gerações, que parecem cada vez mais dispostas a resistir à influência digital e a adotar práticas mais sustentáveis e racionais.
Diana Wiebe, criadora de conteúdo de Ohio, citada pela BBC, é uma das vozes mais reconhecidas dentro dessa tendência.
Depois de experimentar em primeira mão as consequências das compras por impulso promovidas nas redes sociais, a Wiebe começou a gerar conteúdo que incentiva seus seguidores a analisar cuidadosamente a real necessidade dos produtos que recomendam. “Você queria esse produto antes de ser oferecido a você?” ele pergunta em um de seus vídeos, desafiando seu público a refletir sobre a maneira como a publicidade secreta molda suas decisões de compra.
Wiebe não é o único que se manifestou contra o consumo impensado promovido por influenciadores tradicionais.
Em um artigo publicado pela BBC, destaca-se como a tendência de desinfluenciar chamou a atenção dos jovens que, cansados da pressão constante para adquirir o que há de mais moderno em tecnologia, maquiagem e moda, decidiram adotar uma postura mais crítica.
Essa reflexão é especialmente relevante no contexto das redes sociais, onde a validação e a aceitação se tornaram impulsionadores fundamentais do consumo.
Além disso, Wiebe e outros influenciadores destacaram como a compra de produtos recomendados nas mídias sociais não afeta apenas as finanças pessoais dos consumidores, mas também contribui para os problemas ambientais.
A superprodução de bens de consumo, especialmente em setores como fast fashion e tecnologia, gera uma pegada ecológica significativa.
Uma pesquisa da Fundação Ellen MacArthur revelou que a indústria da moda é responsável por aproximadamente 10% das emissões globais de carbono, tornando-a uma das mais poluentes do planeta.
A ascensão da desinfluência não é um simples ato de rebelião digital, mas uma resposta a um sistema que levou as pessoas a acreditar que sua identidade e felicidade dependem da posse constante de novos objetos.
Nesse contexto, o discurso de desinfluenciadores como Wiebe funciona como um lembrete de que a resistência ao consumo desenfreado é possível e que questionar a influência digital não é apenas válido, mas também necessário.
A febre do “haul” e a armadilha do consumismo digital
Nas redes sociais, os lanços se tornaram uma das tendências mais populares.
Esse termo, que em inglês significa “saque” ou “aquisição”, refere-se a vídeos em que os criadores de conteúdo mostram grandes compras de roupas, maquiagem, tecnologia ou qualquer outro produto.
O que começou como uma forma de compartilhar recomendações, acabou promovendo um modelo de consumo acelerado, onde o acúmulo de bens é apresentado como algo desejável e cotidiano.
Os deinfluencers têm apontado que este tipo de conteúdo reforça a ideia de que comprar sem limites é normal e necessário.
A socióloga Juliet Schor, em seu livro The Overspent American, explica que a sociedade moderna adotou um modelo de consumo baseado em comparação constante, onde as pessoas sentem que precisam de mais coisas para alcançar um ideal de sucesso.
Aplicado às redes sociais, esse fenômeno se torna ainda mais evidente: os hauls transmitem a sensação de que você só é relevante se acompanhar as últimas tendências, gerando ansiedade e pressão nos espectadores.
Um exemplo claro dos efeitos negativos dessa cultura de desperdício é o caso de Christina Mychaskiw, criadora de conteúdo de Toronto.
Em entrevista à BBC, ele confessou que, em 2019, acumulou uma dívida de 120.000 dólares canadenses devido a compras impulsionadas pelas redes sociais. “Toda semana eu comprava mais coisas, mesmo que não precisasse delas.
Eu estava presa em um ciclo interminável de consumo”, explicou ela. Sua experiência a levou a repensar seus hábitos e, eventualmente, a adotar uma abordagem mais consciente, onde prioriza a qualidade em detrimento da quantidade.
Agora, ele usa sua plataforma para alertar outras pessoas sobre os riscos do consumismo digital.
Mas o impacto dos transportes não é apenas financeiro. Também tem sérias consequências ambientais.
A Fundação Ellen MacArthur alerta que a indústria do fast fashion é responsável por aproximadamente 10% das emissões globais de carbono.
Cada peça de roupa comprada sem pensar não representa apenas uma despesa econômica, mas também contribui para a poluição da água, o uso excessivo de recursos naturais e o aumento do desperdício têxtil.
A jornalista Dana Thomas, em seu livro Fashionopolis (2019), expõe como o fast fashion transformou a indústria em uma máquina de produção em massa, incentivando o consumo descontrolado e a exploração do trabalho.
A desinfluência surgiu como uma resposta a esse problema.
Em vez de promover compras desnecessárias, os deinfluenciadores procuram fazer com que as pessoas questionem se realmente precisam do que as redes as fazem querer.
Essa mudança de mentalidade não apenas pode ajudar a melhorar as finanças pessoais dos consumidores, mas também tem o potencial de reduzir o impacto ambiental do consumismo acelerado.
No final do dia, o verdadeiro luxo não está em ter mais, mas em escolher melhor.
Impacto na indústria da moda e marketing
A moda rápida, caracterizada pela produção em massa de roupas de baixo custo e vida curta, tem sido particularmente apontada pelos deinfluenciadores.
A estilista Lucinda Graham destaca que esse modelo de consumo tem distorcido a construção de um estilo pessoal autêntico, levando as pessoas a adquirirem peças efêmeras que não refletem sua verdadeira identidade. “Quando os influenciadores nos convencem a comprar roupas, compramos itens que representam o estilo de vida de outra pessoa e tentamos imitar sua vida”, disse Graham.
Esta abordagem promove o investimento em peças intemporais e de qualidade, permitindo que as roupas envelheçam naturalmente e dêem autenticidade ao guarda-roupa.
Embora o movimento de desinfluenciadores esteja ganhando força, a indústria de marketing de influenciadores continua a se expandir, atingindo um valor global de US$ 21,1 bilhões em 2023. No entanto, algumas marcas de fast fashion registraram uma diminuição na demanda, o que pode indicar uma mudança nos hábitos de consumo influenciados por essa nova tendência.
Aja Barber, autora e editora colaboradora da Elle, enfatiza que, embora o movimento seja um passo na direção certa, é necessária uma transformação mais profunda que transcenda as mídias sociais para realmente abordar as questões do consumismo excessivo.
Casos representativos de desinfluência
Além de Diana Wiebe e Christina Mychaskiw, outras criadoras de conteúdo têm ocupado o centro do palco na luta contra o consumismo impulsionado pelas redes sociais.
Esses desinfluenciadores ganharam notoriedade ao expor como as estratégias de marketing digital podem levar as pessoas a gastar mais do que realmente precisam, afetando sua economia e promovendo uma cultura de compra compulsiva.
Um dos casos mais proeminentes é o do tiktoker Superando gastos excessivos, cujo nome em inglês se traduz como “Superando gastos excessivos”.
Seu conteúdo se concentra em desmistificar a cultura do influenciador e demonstrar como promoções constantes podem levar as pessoas a gastar irracionalmente.
Seus vídeos, que ultrapassaram 9 milhões de visualizações, explicam de forma simples como funcionam as táticas agressivas de marketing nas redes sociais.
Por meio de exemplos concretos, ele ensina seus seguidores a identificar quando uma recomendação de produto é genuína e quando é simplesmente uma estratégia de negócios disfarçada de conselho. Além disso, oferece estratégias práticas para tomar decisões de compra mais conscientes e saudáveis, evitando assim se endividar por seguir tendências passageiras.
Outro deinfluencer que tem causado impacto é o Former Fat Guy Fitness, um criador de conteúdo que se tornou viral ao questionar os preços excessivos de determinados produtos promovidos por influenciadores.
Em um de seus vídeos mais populares, ele critica o custo das barras de proteína vendidas por recomendação de celebridades nas redes sociais, que podem custar até 5 dólares por unidade.
Sua mensagem ressoa com um público cansado de ser bombardeado com produtos caros que prometem benefícios extraordinários, mas em muitos casos podem ser substituídos por alternativas mais acessíveis e saudáveis.
O sucesso desses deinfluencers mostra uma mudança de mentalidade nos consumidores digitais.
Como a socióloga Juliet Schor explica em seu livro The Overspent American (1998), o consumo excessivo nem sempre é uma decisão consciente, mas muitas vezes é impulsionado pela pressão social e pela publicidade.
Aplicado ao contexto atual das mídias sociais, esse fenômeno é amplificado, pois os usuários são expostos a um fluxo constante de recomendações de produtos que, na verdade, fazem parte de campanhas de marketing cuidadosamente projetadas.
Esse tipo de conteúdo crítico não apenas ajuda as pessoas a serem mais responsáveis com seu dinheiro, mas também promove uma cultura em que as compras são mais racionais e menos impulsionadas por influências externas.
A existência de deinfluenciadores como Overcoming Overspending e Former Fat Guy Fitness mostra que cada vez mais pessoas buscam recuperar o controle sobre seus hábitos de consumo, deixando de lado a pressão para comprar só porque alguém popular nas redes sociais recomenda.
Em conclusão, o movimento de-influencer representa uma resposta crítica e necessária ao consumismo desenfreado promovido nas redes sociais. Ao questionar a autenticidade das recomendações e incentivar um consumo mais consciente, esses “jovens renegados estão convidando a sociedade a refletir sobre seus hábitos de compra e a influência que as plataformas digitais têm em nossas decisões diárias.
Referências:
Baudrillard, J. (1970). A sociedade de consumo: seus mitos, suas estruturas. Siglo XXI Editores.
Fundação Ellen MacArthur. (nd). Uma nova economia têxtil: redesenhando o futuro da moda. https://ellenmacarthurfoundation.org
Schor, J. (1998). O americano gasto demais: por que queremos o que não precisamos. HarperCollins.
Thomas, D. (2019). Fashionopolis: O preço do fast fashion e o futuro das roupas. Imprensa Pinguim.
BBC News World. (2024). Deinfluenciadores: o fluxo de “jovens renegados” que tentam conscientizar sobre o impacto negativo dos influenciadores. BBC. https://www.bbc.com/mundo/articles/clyjy5ll6mdo