Fragmentação do público na era da informação

O mundo está enfrentando uma mudança silenciosa, mas profunda, na forma como a informação é gerada, distribuída e consumida.

As grandes narrativas que antes definiam épocas inteiras, como o impacto de uma novela que unificou o público ou uma investigação jornalística que abalou o poder, parecem ter desaparecido em um mar de pequenas histórias e nichos especializados.

Hoje, o termo “comunicação de massa” é quase nostálgico, enquanto testemunhamos o surgimento imparável do que poderia ser chamado de microcomunicação de massa.

A jornada da comunicação unificada à fragmentação

Por: Gabriel E. Levy B.

Henry Jenkins, em seu influente trabalho Cultura de Convergência (2006), propôs uma visão renovada da mídia explorando como a convergência tecnológica e a participação do público transformaram o ecossistema da mídia. Jenkins argumentou que o modelo tradicional de comunicação vertical, onde a grande mídia ditava as mensagens, deu lugar a uma interação mais dinâmica e descentralizada, onde o público não apenas consome conteúdo, mas o produz, reconfigurando-o de acordo com seus interesses e valores.

Nesse contexto, a televisão e o rádio, que antes dominavam como os grandes arquitetos da opinião pública, perderam espaço para as plataformas digitais que fomentaram a fragmentação e a personalização. Esse fenômeno de “participação prosumer”, como Jenkins o chama, transformou o público em comunidades ativas, com capacidade de reinterpretar e redistribuir mensagens, desafiando a narrativa única e hegemônica da mídia tradicional. A ideia de uma “verdade consensual” que marcou o século XX foi corroída em favor de múltiplas verdades que coexistem em espaços específicos.

Essa mudança se acelerou com o advento da internet e a explosão de redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube. Nicholas Negroponte, em seu livro Being Digital (1995), antecipou essa revolução da informação baseada na personalização extrema. De acordo com Negroponte, a digitalização permitiu que o público passasse de massas homogêneas a fragmentos com interesses particulares. Esse fenômeno foi explorado por Cass Sunstein em Republic.com 2.0 (2007), que analisou como algoritmos e câmaras de eco reforçavam a polarização, oferecendo aos usuários conteúdo que valida suas crenças pré-existentes, excluindo pontos de vista alternativos.

O resultado dessa transformação não é apenas a atomização das audiências, mas a reconfiguração completa do poder da informação. O que antes era construído no consenso midiático agora se desenvolve em um diálogo múltiplo e muitas vezes caótico, onde a verdade depende mais do contexto de cada nicho do que de uma narrativa global. Como Zeynep Tufekci aponta em Twitter e Gás Lacrimogêneo (2017), esse ecossistema hiperfragmentado tem uma dupla vantagem: democratiza a produção de informações, mas também amplifica a desinformação e enfraquece as bases compartilhadas para a deliberação pública.

Dessa forma, as mídias não são mais simples “extensões da humanidade”, como Marshall McLuhan as descreveu, mas reflexos de uma humanidade complexa, diversa e profundamente dividida, que encontra nos novos espaços digitais oportunidades de conexão e razões de separação.

O contexto da segmentação: influenciadores e a bolha de conteúdo

A microcomunicação em massa não é apenas uma redução no alcance das mensagens; é uma reconfiguração do poder comunicativo.

A autoridade tradicional, apoiada pela grande mídia e figuras públicas, deu lugar a uma infinidade de vozes.

Os chamados influenciadores, figuras que surgem em plataformas como Instagram, TikTok ou Twitch, são agora os novos mediadores da informação.

Seu poder está em uma conexão direta e emocional com públicos específicos, uma relação mais pessoal e próxima do que a da mídia tradicional.

Essa fragmentação tem dois efeitos. Por um lado, democratiza o acesso à criação de conteúdo.

De acordo com estudos da Pew Research (2022), mais de 40% dos jovens nos Estados Unidos recebem notícias exclusivamente pelas redes sociais, número que reflete a confiança nesses novos intermediários. Por outro lado, gera uma polarização de realidades.

Nas palavras de Eli Pariser, autor de The Filter Bubble (2011), os algoritmos de mídia social criam ambientes onde as pessoas consomem apenas conteúdo que reforça suas crenças pré-existentes, excluindo a diversidade de opiniões.

Fragmentação como divisão: confrontando o público

O impacto social dessa segmentação de informações é tão complexo quanto perturbador.

A perda de narrativas comuns fragmenta não apenas os conteúdos, mas também os laços sociais.

No passado, uma partida de futebol ou um discurso presidencial podiam se tornar tópicos de conversa que reuniam pessoas de diferentes origens e perspectivas. Hoje, interesses hiperespecializados geram comunidades fechadas e desconectadas.

Por exemplo, enquanto nas redes sociais um usuário pode consumir horas de conteúdo sobre teorias da conspiração, outro pode se concentrar exclusivamente em tutoriais de culinária vegana. Em ambos os casos, o universo de informações se estreita.

Isto tem implicações directas para a coesão social e para a capacidade dos cidadãos de participarem em debates públicos alargados.

De acordo com um relatório do Instituto Reuters (2023), 62% dos consumidores de notícias online só acessam mídias que reforçam sua posição política, fenômeno que alimenta a polarização.

Além disso, o papel dos influenciadores como “especialistas” representa outro desafio. Embora alguns ofereçam conteúdo valioso, a falta de regulamentação e critérios objetivos para definir sua autoridade levou à disseminação de desinformação.

O perigo de alguns influenciadores

O caso de Andrew Tate é um exemplo revelador do poder que as figuras da mídia contemporânea podem exercer na era da microcomunicação de massa.

Tate, um ex-boxeador e empresário britânico, tornou-se uma figura influente graças às suas postagens nas redes sociais, onde promoveu um estilo de vida baseado na riqueza, dominação masculina e atitudes abertamente misóginas.

Seus vídeos, voltados principalmente para adolescentes e jovens adultos, acumularam milhões de visualizações em plataformas como TikTok e YouTube.

No entanto, seu conteúdo alarmou educadores, psicólogos e ativistas devido à normalização de comportamentos tóxicos em relação às mulheres, apresentados como atributos desejáveis da “masculinidade alfa”.

O que é perturbador em seu caso não está apenas no alcance de sua mensagem, mas também na falta de filtros regulatórios nas plataformas digitais que amplificaram sua voz. Apesar de ser bloqueada em algumas redes, sua ideologia persiste nas comunidades online, demonstrando como a fragmentação da mídia dificulta o controle de narrativas prejudiciais.

O impacto em casos específicos: notícias, saúde e entretenimento

O campo das notícias é talvez o mais afetado pela microcomunicação de massa. Uma pesquisa do Nieman Lab indica que a confiança na grande mídia caiu 20% na última década, enquanto notícias fragmentadas nas redes sociais ganharam espaço.

Casos como as eleições presidenciais no Brasil em 2022, onde influenciadores políticos influenciaram diretamente as narrativas eleitorais, são um exemplo do poder dessas novas vozes.

No campo da saúde, a pandemia de COVID19 destacou tanto o potencial quanto os riscos da microcomunicação.

Enquanto alguns influenciadores promoviam práticas de saúde pública, outros espalhavam teorias antivacinas, complicando as estratégias globais de imunização. De acordo com um estudo da Universidade de Oxford, as mensagens antivacina nas redes sociais alcançaram mais pessoas do que as declarações oficiais da Organização Mundial da Saúde.

No entretenimento, plataformas como Netflix ou Spotify personalizam o conteúdo a ponto de transformar cada usuário em um público único. Isso, ao mesmo tempo em que capacita o consumidor, também limita a exposição a novas ideias, reduzindo as oportunidades de descoberta cultural.

Em conclusão, a microcomunicação de massa redefine a paisagem informacional e cultural, abrindo novas possibilidades, mas também aprofundando as divisões sociais.

Em um mundo hiperconectado, onde cada indivíduo habita sua própria bolha de informação, a chave para enfrentar esse fenômeno está em encontrar maneiras de construir pontes entre diferentes micropúblicos.

Só assim será possível recuperar a capacidade de diálogo coletivo, tão essencial para qualquer sociedade que aspire à coesão e ao progresso compartilhado.